Esquizofrenia: como saber se tenho? Pelo olhar do paciente

Esquizofrenia: como saber se tenho? Pelo olhar do paciente

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Resolvi escrever este texto após o atendimento de uma paciente muito querida que leu nosso último texto sobre esquizofrenia.

Ela disse que o texto em questão estava ruim para ela, pois fora escrito para médicos; achou que poderia se entender melhor e não adiantou de nada. E ela tem razão, ao menos em partes.

De fato, este artigo que ela cita fala mais dos aspectos gerais e dos critérios diagnósticos da esquizofrenia, sendo mais útil aos profissionais que avaliam ou aos familiares – para quem vê de “fora”- ajudando pouco o paciente com esses sintomas no dia a dia. Quem quiser saber mais desta parte mais técnica aqui está o link.

www.renatoreche.com.br/post/esquizofrenia

A esquizofrenia é uma psicose crônica, sendo assim, sua principal marca é uma alteração da percepção (alucinações) e do entendimento da realidade (delírios). De maneira geral, os pacientes não percebem que uma alucinação é uma alucinação ou que um delírio é um delírio. E o que minha paciente quer é justamente identificar estes sintomas e lidar de uma forma melhor com eles.

Por isso, hoje escrevo este texto para aqueles pacientes que já receberam o diagnóstico e estão em busca de um maior entendimento prático da coisa em si. O que minha paciente quer é não ser vítima das armadilhas mentais da sua patologia.

Mas antes, gostaria de fazer uma ressalva. Se você não tem este diagnóstico e por acaso você ler o texto e se identificar com situações que aqui serão descritas peço que não tire conclusões precipitadas. A presença de sintomas que aqui serão descritos não é suficiente para qualquer diagnóstico. Se ainda assim ficar na dúvida, procure um profissional habilitado para conversar sobre o assunto.

Pois bem, vamos lá.

Sobre as alucinações

Em geral, as alucinações costumam ocorrer há muito tempo, as vezes sem atrapalhar significativamente o dia a dia. E, por acontecer há tanto tempo, o paciente se acostumou com elas e não percebe que aquilo que ocorre é algo patológico, ou prejudicial.

Aqui uma primeira consideração: raramente as alucinações têm caráter amigável, pelo contrário, seu conteúdo costuma trazer grande sofrimento aos pacientes.

Vou chamar as alucinações auditivas de “vozes”, e as alucinações visuais de “vultos” para facilitar o raciocínio. As “vozes” e os “vultos” podem aparecer de inúmeras formas, variando muito de pessoa para a pessoa. Daí o nome mais genérico e abrangente.

Vamos falar primeiro das “vozes”, apenas algumas situações mais gerais e corriqueiras.

Algo comum de acontecer é a pessoa que sofre com elas dizer que escuta uma conversa ao fundo, de várias pessoas, que por vezes lhe atrapalha a dormir, a concentrar nos afazeres. Por vezes ficam falando da vida de outras pessoas, de familiares. Outras vezes as vozes interagem com o paciente, dão ordens, conversam, tentam ludibriar. Em outros casos a pessoa diz que essas vozes são conhecidas, de familiares, de vizinhos.

Alguns casos

Noutro dia, atendi uma paciente que me dizia que seus vizinhos ficavam falando mal dela o tempo todo, a noite toda. E que ela ficava zangada e não conseguia dormir, pois eles não ficavam quietos.

Perguntei como ela sabia que eram seus vizinhos mesmo ou se não era mais uma vez as vozes a querendo perturbar. Ela ficou em dúvida, pois dizia que ao vivo seus vizinhos sempre falavam bem dela, eram gentis, davam até presentes, mas que pelas costas eram pessoas falsas. Começou a dizer que isso era algo normal, já que sua irmã também era gentil e carinhosa pessoalmente, mas que pelas costas queria seu mal.

Seguimos a conversa e a paciente dizia escutar de sua casa a irmã falando mal dela lá da casa da irmã, que devia morar a alguns quilômetros. Aqui a paciente chegou à conclusão de que ou teria uma audição muito afiada, ou aquela voz que escutara não era da sua irmã.

Mas e o vizinho de muro? Como saber se não eram eles realmente? Como ela iria saber quando era sua irmã ou não já que a voz era idêntica a dela, até o jeito de falar?

Essas vozes são muito difíceis de serem descobertas pelos pacientes.

Outro caso que ocorreu recentemente foi de uma paciente que deixou de tomar suas medicações próximo ao Natal e disse que o fez após seguir as minhas instruções. Segundo ela, eu disse que era melhor para ela, que ficaria bem, o que na prática não aconteceu, evidentemente.

Lhe disse que não tinha falado para tirar os remédios, mas ela jurava que isso tinha acontecido, inclusive lembrava de nossa conversa. Foi no dia que chegou uma visita em sua casa. Puxou na memória e concluiu que era um sábado, continuando o exercício de relembrar. Disse que já era final de tarde e que, no momento de nossa conversa, ela estava em seu quarto. Foi então que lhe disse que, no dia em questão, eu não estava trabalhando e que nunca a atendi em sua casa. Então ela concluiu que fora vítima das vozes.

Mas como iria ela desconfiar que não era eu? Será que acontecia o mesmo com outras pessoas próximas?

As duas pacientes em questão ficaram bastante aflitas ao perceberem tais situações. E não era para menos. Você que está lendo, se notar algo semelhante, peço que tenha calma. Estas situações, no caso delas, já vinham ocorrendo há bastante tempo sem que elas percebessem e, mesmo assim, elas tocavam a vida. A diferença é que a partir do momento que isto fora identificado isto pode ser cuidado. Se for o seu caso o raciocínio é o mesmo, converse com o profissional que lhe acompanha para buscarem as melhores estratégias para lidar com estas situações.

Conto estas duas passagens, pois ambas têm algo em comum. Ambas desenvolveram formas simples, mas eficazes, de se defender das alucinações. Um jeito para que elas entendam o que é alucinação e o que realmente está acontecendo.

No segundo caso que contei, quando conversávamos disse para a paciente só acreditar no que eu falasse quando ela estivesse me vendo E me ouvindo, como ali na consulta. Caso contrário (como na situação que ela só me ouviu), ela não deveria acreditar.

Para a primeira paciente, a mesma coisa. Sempre que ela ouvisse pessoas falando, fosse seus vizinhos, a irmã ou outros, mas não estivesse vendo essas pessoas ao mesmo tempo em que as ouvia, ela não deveria levar a sério, por vias das dúvidas.

A pergunta é: você ouve alguém falando com você mesmo sem você ver a pessoa? Se a resposta for sim, fique atento que algo semelhante pode estar acontecendo com você. Se só percebeu agora, não se aflija. O lado positivo é que percebeu a situação e passará a lidar com isto de um jeito melhor, acompanhado do seu psiquiatra. Não fique sozinho com ela, converse com um profissional habilitado para tal.

Sobre os “vultos”

O raciocínio é semelhante entre “vultos” e “vozes”. Em geral, as pessoas se acostumam a ver os vultos, pois nem sempre isto é patológico ou traz sofrimento. Mas, as vezes, eles podem ser um alerta de que outros sintomas dessa ordem possam estar acontecendo e trazendo sofrimento. E sim, ver vultos corriqueiramente e em grande quantidade é um sinal de alerta e é útil uma avaliação para elucidar a situação.

Dentre as inúmeras possibilidades, algumas situações comuns são quando a pessoa experiência ver esses vultos, principalmente à noite. Segundo esses relatos, a pessoa vê esses vultos passando e sente medo. As vezes pode ver como se fosse o contorno de uma pessoa, noutras vezes as visões são nítidas. O que costuma trazer bastante sofrimento é o medo que pode estar presente. Sensação constante de que alguém vai invadir o ambiente para lhe fazer mal, de que tem alguém lhe perseguindo, de que tem alguém constantemente lhe observando ou rastreando.

Por fim, vou citar algumas outras situações que podem ocorrer a fim de que seja identificado, pois só então poderá ser cuidado. Lembrando que nenhuma situação dessa descrita faz o diagnóstico de esquizofrenia.

É comum alguns pacientes se dizerem perturbados por escutarem lhes chamar e quando vão ver não tem ninguém, principalmente quando isto ocorre sistematicamente, várias vezes ao dia, ou a noite enquanto dormem. Ouvem barulhos de passos no teto, correntes no chão, barulhos variados que assustam e atrapalham dormir.

Outros dizem que ouvem a sua própria voz lhe dando ordens para se machucarem, ou machucarem outras pessoas, mesmo quando não querem isso. Também há relatos comuns de sensação que algo acontece e que perdem o controle de si mesmos com explosões de raiva sem motivo algum. Outros ainda referem pesadelos horríveis em que interagem com entidades maléficas e ao final notam que não estavam dormindo.

Repito que estas são apenas algumas experiências práticas que costumamos conversar com nossos pacientes e que a grande maioria das situações descritas podem ocorrer em indivíduos saudáveis. Ou seja, estas experiências descritas podem não ser suficientes para um diagnóstico de esquizofrenia, sendo necessário uma avaliação do médico psiquiatra.

Sobre o diagnóstico, fizemos uma breve reflexão neste outro artigo.

Bom, aqui citei algumas experiências mais comuns para ajudar quem tem esquizofrenia – ou não – a identificar possíveis sintomas e, então, poder lidar com eles de uma forma mais saudável.

Se gostaram do tema ou tiverem sugestões do que querem ver por aqui, deixe nos comentários aqui ou pelas redes sociais.

Muita saúde a todos.

Olá, como podemos te ajudar?